a disciplina
é de quem prima
por tudo que plana

não empina
nem declina
tem um plano
quem disciplina

se discorda
que se exprima
e do plano, declina.

incomodada com (minha) retórica de que minha indignação não gera (muita) ação ou (qualquer) poesia, saí a pesquisar sobre a etimologia da indignação em busca de inspiração e me deparei com isso:

“Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor a minha ideia de os achar belos.
[…]
Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos.
[…]
Eu não sou pessimista, sou triste”

Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa no livro do desassossego. mais aqui.

desassossego. amei a palavinha relembrada.
entreter-me tecendo prosas e poesias de minhas queixas, ou arranjar meus sonhos de forma que me pareçam belos. é tudo que me acalma.

me senti artista. não sei o que isso significa ou que legado posso deixar ao mundo, não sei se é ou será útil, nem sei o que é utilidade, mas me senti mais feliz. e sossegada. seria egoísta?

me prefiro indigna a indignada sem poesia.
registro (ou confesso?) para relembrar.

(ou poeminha do facebook)
o que é curto
não é longo.
mas se curto, alongo.

passado alonga
futuro encurta
e agora?
o agora eu curto.

agora é hoje
é amanhã
é depois
e encurta.

corta.

curtimos.
foi um belo curta.
e o que era nosso, curtiu.

(minhas vovozinhas fizeram tanto sucesso lá com a dona do Complete, que resolvi publicar aqui.)

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usa roupas floridas, gosta de verde, usa muito laquê no cabelo, adora um chopp e faz questão de fazer as unhas toda semana. minha avó é muito vaidosa. libriana como eu, dividimos muitas velinhas. minha avó tem cara de brava, mas conquista pelo estômago. autora da receita da melhor farofa do mundo. minha avó adora ver novela e almoçar com filho, nora e netas. minha avó teve filho cedo, encontrou o amor de sua vida depois do primeiro filho já nascido. minha avó já não lembra mais que sou, mas mora na minha memória. e, vez ou outra, conto a ela quem ela é.
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declamava poesias. Minha avó tinha o espírito andarilho, escolhia um ônibus e um destino na rodoviária, e ia. Minha avó ouvia vozes. Tinha amigos em Senador Camará e falava muito. Minha avó dizia que se passarinhos pegassem fios do meu cabelo no chão, fariam um ninho e eu teria enxaquecas terríveis. Minha avó ensinava português a crianças. Minha avó tentava aprender inglês para ensinar as crianças, e chamava ‘tomorrow’ de ‘tômôrrou’. Minha avó tinha um irmão chamado Affonso que, apesar de tio-avô, foi meu único e melhor avô. Vovô Affonso se dizia mais velho que minha avó que, por sua vez, se dizia mais velha que Vovô Affonso. Nunca soubemos a verdade, os dois se registraram adultos. Minha avó escolheu seu sobrenome: Félix, que eu adoraria ter herdado. Minha avó uma vez me disse que sou prima em quinto grau de D. Pedro I. Minha avó também me contou que sua avó era índia, e é por isso que sou morena. Minha avó tinha o espírito livre, e ver-se presa em uma cama a entristeceu muitíssimo. Ela sempre disse que o mundo se acabaria em um dia de muita festa e carnaval, em 1992, quando todo mundo menos esperasse. Minha avó morreu em 31 de dezembro de 1992, quando ninguém mais esperava. Minha avó morreu de tristeza porque viveu uma vida de muita alegria.
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e a sua vovozinha?

A repetência é reta.
Curvas se insinuam.
Sinuosidade.
Me insinuo.
Derrapo na curva.
Saio pela tangente.
Ou sai pela tangente?
Reta sou eu ou a estrada?
Me curvo?
Insinuo. Insinuo. Insinuo.
Não me curvo.
Ereta, persigo curvas.
Retas me oprimem.
Luta. Seria isso a vida?
Todo ciclo se repete. Grapete.

(enquanto me pergunto porque sou tão matemática, penso que adoraria escrever melhor. ando escrevendo mais. cartas, papéis, anotações, desenhos, cores. comprei uma caixa de lápis de cor. e ando achando esse formato digital limitante. porque ando escrevendo em curvas.)

(só porque é simples e lindo e fiquei tentada a publicar. influenciada por súbita lembrança de uma cena distante em que eu cantava “As rosas não falam” com meu pai em um karaokê de festa de criança. adoro lembranças perdidas. e cantamos bem. e Cartola merece reverências.)

Senhora Tentação – Cartola
Sinto abalada minha calma,
Embriagada minha alma,
Efeitos da tua sedução,
Oh! Minha romântica senhora Tentação,
Não deixes que eu venha a sucumbir,
Neste vendaval de paixão.
Jamais pensei em minha vida,
Sentir tamanha emoção,
Será que o amor por ironia,
Move esta fantasia vestida de obsessão,
A ti confesso que me apaixonei,
Será uma maldição, não sei,
Sinto abalada minha calma,
Embriagada minha alma,
Efeitos da tua sedução,
Oh! Minha romântica senhora Tentação,
Não deixes que eu venha a sucumbir,
Neste vendaval de paixão.
Jamais…

(na voz de Fabiana Cozza)

“Infinito Particular”, voz de Marisa Monte, composta pela tríade Marisa, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown

Eis o melhor e o pior de mim
O meu termômetro, o meu quilate
Vem, cara, me retrate
Não é impossível
Eu não sou difícil de ler
Faça sua parte
Eu sou daqui, eu não sou de Marte
Vem, cara, me repara
Não vê, tá na cara, sou porta bandeira de mim
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular
Em alguns instantes
Sou pequenina e também gigante
Vem, cara, se declara
O mundo é portátil
Pra quem não tem nada a esconder
Olha minha cara
É só mistério, não tem segredo
Vem cá, não tenha medo
A água é potável
Daqui você pode beber
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular

(há anos, assisti ao show que abria com essa música. escuro, a banda se revelando aos poucos, e essa voz de Marisa ressoando. de arrepiar. a música não me sai da cabeça, nem a letra e nem essa cena.)

Na última folha do meu caderno escrevi
Uma doce canção para uma menina de Brasil
Lembrando como foi a última vez em que a vi
Pensando em que graça que ela tem ao sorrir

No rio, na praia
No céu, um sol
Meu olho que brilha
e Deise que riu

Entrando na rua uma pessoa perguntou
Como fazer para a Copacabana chegar
No fim do caminho, você vai encontrar
A mais linda garota que já está por dançar

No Rio, na praia
No céu, um sol
Meu olho que brilha
e Deise que riu

(entre no clima brejeiro, coloque em ritmo de um bom e singelo sambinha, e desfrute da minha canção. inesperada e composta por um querido que fala português faz poucos dias e ontem cantou pra mim. amei. me emocionei. agradeci e agradeço de novo e de novo e de novo. merece muitos beijos quem me escreve uma música.)

se fosse para escolher um instrumento para tocar, escolheria sax, harpa ou violoncelo. já se fosse para escolher um dom, escolheria cantar. um lugar,um palco. um pecado, a luxúria. uma bebida, vinho. uma deusa, afrodite. uma cor, vermelho. um acessório, chapeú. uma mania, falar. um batom, gloss. uma comida, farofa. uma brincadeira, faz-de-conta. uma flor, margarida. uma receita, bolo da tia regina. um número, 8. um bicho, dálmata.

e você?

do teto, pendia escultura.
no chão, um espelho e uma abóbada.
era abóbora a abóbada.
eu girava e a abóbada cada vez mais funda.
quis pular. o avistei. a frente e abaixo de mim.
da abóbora, uma carruagem.
do espelho, um buraco de Alice.
abobada, pulei. pulamos.
quicamos na abóbada que, invertida, era uma lona de circo. cor-de-abóbora.
dois abobados no picadeiro da abóbora abóbada. fugimos pra Bora Bora.
acabou-se a história.

(textinho bobinho que estou abobada com a abóbada cor-de-abóbora. quis brincar com palavrinhas e foi o melhor que me ocorreu. agradecimentos a amiga Si. e a Rebecca Horn, artista alemã que colocou a escultura no teto abobadado do CCBB.)

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