Por motivos que depois conto aqui, hoje cheguei em casa louca para folhear um de meus livros preferidos – “A insustentável leveza do ser” de Milan Kundera – e reler seu início que fala sobre o conceito do eterno retorno – presente constantemente na literatura de Nietzche, e que inspira o nome do livro.
A teria do eterno retorno parte da premissa que o tempo é infinito mas os acontecimentos não o são. O universo está constantemente mudando de estado, mas em algum momento os estados irão repetir-se, já que são finitos. Esta idéia de ciclos vêm de longa data, está presente em religiões como o budismo e o hinduísmo, e já foi provada e refutada por inúmeros matemáticos e físicos.
Nietzche não afirma a existência do eterno retorno, mas fala da idéia aterrorizante de sua existência e do peso insustentável que isso nos traria. Como escreveu Milan Kundera:
“Se cada segundo de nossa vida se repetir um número infinito de vezes, estamos pregados na eternidade como Cristo na cruz. Essa idéia é atroz. No mundo do eterno retorno, cada gesto carrega o peso de uma responsabilidade insustentável. É isso que leva Nietzche a dizer que a idéia do eterno retorno é o mais pesado dos fardos”.
Por outro lado, a negação do eterno retorno nos torna mais leves, fazendo sentir-nos menos responsáveis por cada ato ou gesto. Essa leveza, ao longo do tempo, é capaz de mudar toda uma perspectiva. Citando novamente trechos do livro:
“…Se a revolução francesa devesse se repetir eternamente, a historiografia francesa se mostraria menos orgulhosa de Robespierre. Mas como ela trata de algo que não voltará, os anos sangrentos não passam de palavras, teorias, discussões, são mais leves que uma pluma, já não provocam medo.”
“… Em compensação, a ausência total de fardo leva o ser humano a se tornar mais leve do que o ar, leva-o a voar, a se distanciar da terra, do ser terrestre, a se tornar semi-real, e leva seus movimentos a ser tão livres, como insignificantes. O que escolher, então? O peso ou a leveza?”.
Parmênides já fazia esse questionamento no século VI antes de Cristo. Segundo ele, o universo estaria dividido em pares de opostos: a luz e a escuridão, o grosso e o fino, o quente e o frio, o pesado e o leve. Considerava que um dos pólos era negativo e outro positivo. Para ele, o leve é positivo e o pesado negativo. Será?
A leveza torna-se insustentável quando banaliza nossos atos. Daí a insustentável leveza do ser, tão bem catacterizada por Milan Kundera ao longo do livro, expressa no personagem de Thomas, e em sua história com Tereza.
A genialidade de um cara que parte de um questionamento filosófico como esse, inspirado por Nietzche, junta com um fato histórico (a primavera de praga) e escreve um romance de tirar o fôlego me impressiona. Milan Kundera é dos meus autores preferidos. Qual não foi minha surpresa ao perceber que, em Praga, capital de sua terra natal, não há uma referência ao seu trabalho – talvez porque esteja vivo e vivendo em Paris.
2 comentários
Comments feed for this article
9 maio, 2007 às 1:45 am
deiselima
Comentando para mim mesma…
Estudando hoje, percebi que cometi um erro falando sobre Parmênides neste post.
Não foi Parmênides quem dividiu o mundo em pares de opostos, mas sim Heráclito, um mobilista. Heráclito definia a realidade como movimento, e dizia que o movimento é gerado pelo eterno conflito entre pares de opostos, e que este conflito (para ele uma coisa positiva) é o responsável pelo equilíbrio da natureza. Daí os pares dia x noite, quente x frio etc. O mobilismo era absolutamente fundamentado na experiência concreta, pois definia a realidade a partir da observação de tudo aquilo que nos cerca.
Pârmenides, na realidade, fez uma crítica ao mobilismo e Heráclito. Ele foi quem criou uma das mais importantes dicotomias da filosofia (se não a mais importante) que é “Realidade x Aparência”. Para Parmênides, aparência é tudo aquilo que aparece, enquanto que a realidade está além daquilo que vemos e só pode ser atingida pela razão, pelo pensamento, pelo racional. Desta forma, todo o estudo de Heráclito se limitava a aparências, deixando de lado um conceito superior – o conceito de realidade. Para Pârmenides, filósofos eram aqueles capazes de criar uma passagem da aparência para a realidade, diferenciando-se do homem comum que entende somente aquilo que vê. A idéia de uma realidade além do que vemos é o conceito da metafísica, e a sustentação da existência da ciência – que está sempre em busca dos conceitos fundamentais que existem na realidade, e que se desdobram de múltiplas formas nas aparências.
O comment ficou muuuuuuuuito maior que o texto, mas queria registrar esse fato: foi Heráclito quem dividiu o universo em opostos, e Pârmenides apesar de não discordar deste fato, desenvolveu a meta-física que vai além do que vemos e experimentamos.
Last but not least: ser em grego significa realidade. Pense sobre isso 🙂
6 maio, 2013 às 12:07 pm
Fabio
E Nietzsche seria um retorno à Heraclito. Por isso diz que deus esta morto , ou a metafísica esta morta. Até o binomio aparência x realidade é o que possibilita o movimento do conhecer. Quem conhece tudo já não pode conhecer mais nada.